sábado, 20 de fevereiro de 2010

Forças opostas


"Agora tem um olho fixo
Quase como uma interrogação.
Qual é a cor dos seus olhos?
Eu os via negros...
Tempestade de mar intenso...
Agora sonho em castanho escuros
Como as folhas dos Carvalhos
na noite sem destino, sem futuro...
Esse gostar tem futuro?
O seu lado obscuro,
O meu querer inseguro...
Qual a cor da sua verdade?
Não há...
Eu vejo seu olhar, e perdida
Tento encontrar em versos,
Paisagens, mensagens, fotos, notícias,
O que de você que eu não sei ter,
O seu lado imerso
Incauto, inconteste...
Eu mudo de cidade
Ou é você, trocando a identidade?
Eu corro cerrado,
Eu bebo garoas,
Eu circundo os seus mundos,
Eu tenho apenas um nome,
E você pode chamar...
Eu tenho apenas uma cor nos olhos,
Eu tenho apenas esse meu amor
Descendo valas,
Escorrendo em lavas,
Petrificando incertezas...
Você pode ir e voltar,
Eu não, espero, esperneio,
Chamo seu nome em devaneios...
Seu nome verdadeiro
Que eu nunca posso falar."

My Baby Just Cares For Me

Cuide de mim,
Assim,
Nina Simone, cigarros,
Tesão e gim.
Depois não some...
Tudo em ti me consome...
A fome do teu nome...
Brasa no meu estopim...
Cuida de mim,
Assim,
Dedilhando virtuoses
No meu contrabaixo
Um Si em Mi,
Me ressoando enfim
Sobre gemidos,
beijos, pedidos,
Sob um lençol de cetim,
Jogado, amarfanhado,
Amarrotando teu tão desavisado
Coração carmesim.
Mas cuide de mim.


(
Dora Nascimento.
Oh, linda paixão e ira seguida de tesão
e no chão, dois mil e sete versos
de desilusão.)

Besouro

Nem tudo que reluz
te traduz, meu ouro...
tesouro...
Te trago em brasas,
trago tuas asas.
És um ilusionista
com este "jeito" individualista
revelado em páginas atraentes.
Sei... Sabes... Sentes...?
Tens asas, sim,
ai de mim.
Tens asas...
Voas e sobrevoas,
meu pensamento,
meu firmamento,
meu nascedouro,
E em mim entoas,
coisas vis e boas.
Pousas,
Ousas...
És de um silenciar estrondoso,
És perigoso,
És venenoso,
És chama, ira e gozo.
És meu metal,
És meu aliado natural,
És meu sol e meu sal
És meu estouro.
Besouro.

Amor em demasia

Ei, meu Rapaz
Deixas-me em Jazz
E
nem consigo
Não delirar mais,
Mas agora
Tenho que sair fora
Que há duas horas
Que minh’alma jaz no teu olhar.
E isso é bom demais...
Mas já é tarde,
Amanhã eu te deliro mais...
Ah, meu Rapaz.
Nem sei mais quem sou,
De soul, em soul
Tua
alma “coll”
Vem me trazer ardor,
“So...”
E o que sou então,
Se dia-a-dia
Todo dia,
Varando a noite
Em outro dia
Tu na minha imaginação,
Gerando-me poesia
Sem ao menos
Um toque de carne
Que explicasse
Porque em mim
Tanto
arde
Tua real existência
Tua imaterializada presença,
Que é forte demais.
Ai... Rapaz,
Hoje eu estou tão cansada,
Amanhã eu te amo mais.

O Coiote

Agora vejo um Coiote
Camuflando-se
Entre folhagens sintéticas.
Olhar ressabiado
Sobrepondo-o sobre
cercas e lentes de atenção!
Os seus vinte e nove dentes
Afiados e escondidos
Esperando a hora
Do recuo e da reação.
Vi medo em seu coração.
O Coiote bebe leite
Na sua falta de inspiração
Como saborosa refeição.
E não consegue domar
Seu desassossegado
E já bem marcado
coração.
Seu...
Coração...
Pulsando...
Entoando...
Acelerando...
Debatendo...
Ecoando...
Escorrendo...
Desacelerando...
Percebendo
A perigosa
Aproximação
Um suave sopro íntimo
Lhe causando inquietação.
Agora eu vejo um coiote
Cortando o verde
De folhagens sintéticas
Em uivos de saudades
Como pegadas... E mais pegadas...
Das suas silencioas patas cibernéticas.


quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

“Meus sonhos Pontilhados num céu de estrelas mortas”





...E a morbidez
Que poderia endurecer
Este verso
É quebrada
Quando no universo
O meu amor
Diz-me em silêncio e sorriso
Que ali no céu
Estão apenas
As luzes
Do que um dia
- remotamente contado
nos cálculos dos sábios –
Foram estrelas.
Por isso
Ter meus sonhos
Pontilhados
Como estrelas mortas
No céu do meu amor
Solto na amplidão
Não é mórbido
É poder iluminar-me
Nesta silenciosa escuridão
Que inunda
Sua vertiginosa
Imensidão.

(Para você, inatingível e dúbia imensidão)

Eu sou o meu jardim




Eu sou o meu Jardim,
E esse Jardim, é Encantado.
Eu sou o Encanto em mim,
Eu sou o meu Jardim.
Dentro de mim
;¼Mora um ser Alado
Unicórneo de coração fechado,
Eu sou livre, assim,
Não tenho amarras,
Voou para qualquer lado.
;¼Eu sou o meu Encantado
Em mim mora a Imaginação,
Mãe de toda Ilusão,
Sanadora de todo o mal
Que enfeia a Humanidade Real.
Eu tenho dentro de mim
Todos os tons das flores,
Todos os sons e as cores,
Que compõem a paisagem
Da minha Encantada visagem,
Dentro do meu Jardim.
E mesmo que em outro Jardim
Isso
seja usado contra mim,
Continuarei no Encanto,
Do meu Amor Imaginário,
Que talvez julgado ordinário,
Tenha me levado ao pranto,
E a sentir o ruído do fim,
Mas não me tirou, no entanto,
Do Encanto do meu Jardim.

Loba

Ainda bem
Que a Loba em mim acordou.
Loba curtida
Levando porrada da vida
E continuando excitada
E seduzida.
E por isso eu posso
Fazer desta tua omissão
Em precários esconderijos
Uma dor apeitosa.
E eu, Loba
Toda de feição
Escancarada
E quase libidinosa
Numa fome ameaçadora
De olhos em brasas na escuridão.
Em noite fria de solidão...
Ah, pobre presa indesefa,
Ah, meu amor...
Eu Loba em carne viva
Devoro a dor
Saboreando o pavor
Causado por minha chegada
Em palavras
Famintas
de paixão
Como presas cravadas
Na carne encarnada
do teu ainda verde coração.
Ai, meu amor...
Que deliciosa refeição.

Febre.




O corpo aquebrantado,
Autômato...
Seguindo impulsos
E instintos.
A garganta em brasa,
A voz presa,
Depois de esvair-se,
Muda, em letras altas.
Alerta vermelho
Derramou o mercúrio,
Quebrou o vidro,
Trincou o espelho.
O coração em lava
Derretendo em magma,
Escaldando a mágoa,
Da febre que amalgama,
O fago fátuo da alma.
Alma, alma...
Calma...
É febre, é febre...
O pulso ferve,
O corpo pede,
Pede, pede...
Descanso
Em um remanso.
Num branco rio
Caudaloso e frio
Seguindo percursos
Sucumbindo em regaços,
Sob céus áridos,
E também febris,
Febris, febris...
A alma delira
Sonhando a outra alma,
Fria, calma, e gris...


A pele eriçada,
Entorpecida,
Os poros fechados
O sangue fervente
Cozinhando as viceras
Em banho-maria.
A alma assando,
O corpo estilando,
Esfria, frio...
Sem força
Apenas dor
Dormente
Como se fosse
Apenas corpo presente
Em missa de sétimo dia.
Sete vidas em que ardia
A “Vita Brevis”, Agostinho...
Farpas e filosofias,
Infernizando o caminho,
Incendiada dia a dia,
A alma vaga em agonia.
E tudo esfria,
Quebrado o espelho,
Em cacos vermelhos,
Mercúrio-melancolia,
Marcando seu ser febril,
E em febre, febre...
Sem remédio servil,
Sem apelo, sem apelo...




Fim...

De tudo ficou um rastro
de poesias e cartas
que nunca enviei...
No rastro tudo ficou
ecoando desejo e ilusão...
Ficou o coração enforcado
em seus próprios sonhos...

Fragmentos...




Modelando miolo de pão, viu formar-se um tosco dragão.
Afinou a calda e finalizou-a pontiaguda como uma seta.
As asas eram finas e quebradiças, como se calcinadas pelo tempo lendário, porque todo dragão já nasce lenda.
Escancarou e boca para mostrar a força das mandíbulas ocultas, e pode vislumbrar uma língua de fogo feita de algodão.
Pronto o protótipo do que seria um dragão, ela até intencionou enche-lo de cor guache, e transformá-lo num psicodélico dragão de miolo de pão.
E depois disso pensou se ele vendo, sorriria...
“Não...?”
E para não mais se iludir e tornar a abrir as portas daquela prisão, destruiu o dragão de miolo de pão.


(Rute)

Gastronomia, Paixão e Poesia.



Meu querido, meu doce amigo,
Meu « Suflê de Perigo »,
Tua ausência é uma « Quiche de Queijo Su(m)iço »
Eu sei que me falta "juízo"
Mas é de bem saber e entender
¼Que tem um teu olhar aqui comigo
Que vai engolindo
Dentro do meu ser
o pouco do "juizo"
¼
Tão impreciso
Que me convém.
Meu amado e omisso amigo,
me perdoa se soa
muito sem tato,
Isso que ti digo,
Mas tu, às vezes,
Tens gosto de nitrato
Algo de sorriso "colgate"
eu prefiro "close-up"
menta, que alimenta
a refrescante libido.
E eu sou muito a toa...
Sim, eu sei... eu já sabia disso...
Que as vezes tu és irritante,
Pedante e chato...
Mas, depois do "Pavê de Limão Para o Kru-Ko-Ração"
Nem um sorriso,
mesmo que cítrico...?
Ah, meu "Andeli,
Ao Sabor de Papaia Com Creme de Cassis"
o que faço, meu "Doce de Amor", me diz?
O que faço de tão errado aqui, ou ali...
Para negares simples afagos?
A mim que apenas
Quero sem duras penas
De bagos
em bagos
Sem
casca e sem caroços,
Um teu sorriso sincero
Acariciando o sorriso meu
Tal qual o suspiro
Que alguma "Clara"
Toda dismilinguida,
-aquela atrevida! - já ti deu...
E, ainda tem receitas belas
Cheias de emoções
Para as tuas panelas
Mas sem sorrisos
Meu bem, passes muito bem
Sem receitas, nem doces
Nem salgadas!
Mesmo que, indignada
Eu nunca mais ti dê
Mais nada!
Porque tu és
Da cabeça aos pés
Todo feito de ameaças
Nestes olhos de uvas passas
"Mas isto passa..."
Tu dirás entre uma lambida
E uma mordida.
Sim... E dai, que passa...?
E o que eu faço
Enquanto recrio receitas
Para ver se tu me
Aceitas como sócia
Toda inconstante
Do cantinho aconchegante
Deste teu coração crocante
Neste cantinho reservado
Para fumantes
Apreciadores
De gastronomia
Saboreada
em poesias
E
baforadas de filosofias...?
Respondes, que eu quero ver!!
Se tu, nem que seja
Por gula, me deres
A resposta, que eu
Sonho em ter...
E mesmo que me soe falsa
Te dou a receita
Do "Pavê De Café com Sonho de Valsa"
Que recriei para ti trazer
-pelo estômago -
Para área de lazer
Do meu âmago...
E se me sorrires
Lindo, então
Ti darei a receita
Da 'Panela de Mexilhão"
Que estou guardando
Para uma propicia ocasião.

Desventura

(Des)       Ventura

Doce
Veneno
         Que no meu coração
              Goteja
Doendo
Vermelho
Embotando o que me ilude
Descendo
Vermute
                Garganta à dentro
                           Adentrando
Dentro...
Vislumbro
             Uma horda delirante
Deuses...
Virtuoses...
Nonsense...?

E a cada hora morta
Deito
Versos...        
À tua porta... Sentes...?


Damas.





Com aquele seu sempre belo sorriso incandescente ela me disse num átimo entre um suspiro e o abrir e fechar das portas que guardam as palavras, “Cedi. Vou retocar os lábios”.
Eu sorri com a condescendência de quem não opina em decisões pessoais tão pessoais assim.
“Reza”, ela pediu como quem se desespera humildemente, mostrando um esgar de crença sem palavras cientificamente adequadas.
Eu disse “sim”, e sem aflição, acendi uma vela vermelha e pedi por dentro de mim a quem me escutasse além de mim e de tudo que há aqui, “Fica lá do lado dela enquanto o retoque – desnecessário, eu sei – acontece, que é para quando ela voltar, sorrindo ainda mais bela, me dizer como quem agradece à Rainha-Mãe, “Gratíssima”.”
E ela voltou bem antes do tempo que eu não contava, e sorrindo, ainda mais bela, disse-me em suave ressonância de Rainha-Mãe,
“Gratíssima” deu tudo certo, mas eu quero ficar entre fios e felinos...”, e foi embora deixando no rastro da despedida a boa nova da filha Renascida que agora banhava-se de amor e sal nas águas desaguadas do Tejo.

Entrega

Eu
só...
Sem
Dó,
Sem
anjos,
arcanjos,
deuses,
sonhos.
Eu,
Branco
fundo,
Profundo
negro
abismo
e dor...
Eu
sem
cor
adorno
ardor,
pelo
corpo
tenso
de
amor
Eu
entrega
espera
conflito
condenação
Eu
silencio
vozes
força
palavras
gritos...
Eu
perdida
largada
deixada,
coibida,
silenciada
torturada
confundida,
fodida,
fodida,
fodida.

Escrevo

Eu escrevo errado,
Eu sei.
Mas eu escrevo.
Não tenho medo
De cometer erros
Sobre erros básicos.
Emocionais,
Ou ortográficos.
Acharia ruim
Se eu fosse letrada,
E o que pensasse
E sentisse do mundo
E de mim,
Ficasse por dentro,
E quando saindo,
Saindo aos pedaços
Em palavras de efeito,
Frases bem estruturadas,
Mas nada completo.
Apenas o belo,
Do que está enterrado,
Lá por dentro...
Bem guardado,
Para não sair errado.
Eu não,
Eu escrevo,
Sem medo,
Meu acerto,
É estar viva,
E em movimento,
Sendo eu
Eu sempre,
Escrevendo.

Esconde-esconde.





Quantos nomes você tem?
Em quantas Casas você mora?
E por que eu querendo-te tão bem,
Tu abres as portas,
Mas me deixas de fora?
Quantos mundos você cria,
Nos seus jogos de analogias,
Sem hiatos, interligados,
Em fluxo contínuo,
Do seu dia-a-dia
Quase todo digitalizado?
Quantos moldes têm os modos seus?
Quantos dedos em cada medo?
E por que, (a) Menina dos olhos (a)teus,
Quando abro a porta sua,
Ela muda de segredo?
Todas as tentativas frustradas.
Tantas vezes entrei e sai daquela casa,
Onde minhas narrativas estão guardadas...
Agora a visito no escuro,
E tu, ainda estás lá,
Com a tua porta vermelha fechada,
E a chave na porta,
Convidando-se a ser visitada...
Eu no escuro fujo ou urro.
Sem que o silêncio seja quebrado,
Lá, naquela casa...
E agora que novamente me dás asas,
Tu abres as portas,
Mantendo-te visivelmente,
Para mim fechada.






quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Céu de Sol Vermelho

Sonhei você
Cabelos vermelhos
Como crinas
Ao sol a pino
No tino do céu
Do meu Ser... Tão...
O sol vermelho
Do meu Ser
Tão espelho do verão
Deste meu céu em sertão.
Sonhei você sorrindo
Um sorriso de sorgo vermelho
E me pedindo
Quase com um desvelo
Para eu não Ser... Tão...

O quê, sol vermelho
No céu do meu coração?
Ser...?
Tão...?
Qual é seu apelo?
O quê quer me dizer você,
Com este cabelo vermelho
Como fogo
Do sol, centelha
Queimando
O céu do meu Ser... Tão...?

Cartão Postal

Rasguei a seda
Que o bicho criou.
Desfiz-me da renda
Em que envolvi o amor.

Teu nome eu escrevo
Nos lugares onde estou.

Meu amor, meu amor, meu amor...

E você nada vê
Além da minha doença.
Minha obsessão é a crença,
De que você tem um coração.

Você também tem um coração,
Tolo, fraco, controlado pela razão.

Eu deixarei pistas por onde passar,
Esperando iludida que você vai me achar.
No meio das feridas expostas e cruas,
Eu grito teu nome no desespero das ruas.

Meu amor, meu amor, meu amor...

Se você fosse de papel,
Seria crepom, seda, manteiga, madeira...
Seria tão bom, te amassar e jogar na lixeira.

Mas eu gosto de papel,
Seja seda, manteiga, madeira, crepom, ou o que for,
Onde te escrevo e desenho, e bordei sobre um céu colorido,
Com fios de ouro em estrelas douradas
E com uma lua em veludo bordô.

Meu amor, meu amor, meu amor...

Baby Inatingível

Veste azul...
Celeste, piscina, água.
Escuro céu, azul de mar, turquesa...
Céus sobre rios,
Rio saboreado por mares,
Rio alimentando olhares,
Teus lugares... Impares...
Boemia e sobejos
Sobre os beijos
Soltos nos asfaltos
Saltos altos
Unhas negras...
Baby veste azul,
Cruza as fronteiras
Atravessa mundos
Azuis em desmantelos
Derrama-se por calçadas,
Carlos Pena Filho era de um azul tão lindo...
Embebeda-se com notícias,
Dança em azul os blues
Entoados nos anos quarenta.
Aos trinta anos
Quase nada se acrescenta,
Veste azul
E principia
Outros périplos
Azul piscina
Azul de sina
Azul setentrional
Azul de aridez no matagal
Azul celeste e marinho
Veste azul despe a dor
Corta caminho...
Contígua alma
Segue-te calada...
Baby veste azul
Com a cor trocada
Não é nada alterada
A história que é contada.
Veste azul
Apenas para encenar
Um dia de luz vertente.
Verde é a esperança descrente
De que tudo um dia,
Se outeneia em acobreadas maravilhas,
Nas vias findas da tua alma.
Saiba ser Uno, ou se calar.
Não é tão simples
Os Deuses mal o conseguem,
Esbravejam em relâmpagos
De azuis e celestiais tempestades,
Que se antecedem às chuvas de lágrimas pesadas,
O desaguar da ira sobre a Terra.
Baby veste azul,
Que mesclado ao meu vermelho,
Faz a cor do sumidouro do espelho
Espalhar o que agora vai se fazendo passado,
Por mangentadas imagens.



(o meu amor chegou bem perto, e em silêncio reabriu a porta do amor impossivel)



Enquanto entoa “Blow Wind Blow”, eu reconto meu passeio pela Faria Lima.

Fez um dia frio hoje, e eu voltei para cama duas vezes antes de ter a certeza que algumas coisas realmente não poderiam ser mais adiadas.
Vesti-me em tons fortes e neutros, apesar do grito empolgante de liberdade que a Aretha dava invadindo todos os cômodos da casa.
Como se isso fosse o suficiente para se viver. Mas é. Ao menos para mim. Eu – alguns dias - preciso de alguém me acordando assim.
Estou sob o signo de Lilith, mas não no seu dark side, e sim, na efusão e fruição de todos os instintos somados e sintonizados aos sentidos.
(De vamp virei pantera, e essa história é quase um “Já era...” porque para essa história nunca terá um “Era uma vez...”)

Por isso a sonolência, e mais um dia em cinza e chumbo não animava muito sair de casa para encarar um ambiente enfadonho após sair de outro público e mal administrado.

Enfim, a manhã já se fazia engolida, quando enfiei os pés dentro do meu sapatinho de “Maria Bonita”, vesti um jeans perfeitamente ajustado ao meu corpo, sem tirar, nem por, mais nada.
Enterrei os fones nos ouvidos, deixei para tomar um expresso na rua, e pelas ondas do rádio fui sabendo do mundo entre um quarteirão e cinco músicas.
A minha permanência naquela sala de espera barulhenta e mal sinalizada, foi de quarenta e cinco minutos, isso porque minhas mãos não pararam de tecer um novo acessório, enquanto meus olhos captadores de mundos difusos, entre um ponto e uma corrente, contavam pontos e presentes, e iam tecendo outros panos de fundo para histórias de outras gentes. No entanto, são versões para depois.
O que quero contar é como em plena Faria Lima, eu, após ter entrado e saído do – dizem - primeiro “monumento ao consumo” construído no Brasil – imaginem a boçalidade que impera no ar dali, com o quilate de um quatrocentão – que quase me sufocou de tanta frieza e falta de imaginação, é tudo apenas ostensivamente luxuoso. É de dar náuseas, porque penso que é possível ser luxuoso sem que seja friamente ostensivo. Eu já vi lugares assim.
Sei que após sair daquele mundo sufocante como se cada grama de concreto dali, cada centímetro quadrado daquele lugar, pesasse uma tonelada de poder mal utilizado.
Sai de lá como quem consegue se libertar de uma gaiola dourada e toma ar a plenos pulmões, exalando poluição, fumaça, carcaças e sobras excluídas, ternos, saltos-agulha, papelões, marquises, trapos, flores, texturas, odores... eu estava tão louca para sentir tudo de novo, como se eu tivesse estado prestes a perder tudo aquilo, que nem me dei conta de quem cantava, mas acho que era uma versão em inglês de um dos hinos da Bossa Nova e que eu odiei aquele jabá escroto, porque eu odeio quem faz isso, porque quem tinha cacife para fazer já fez com seus brilhantes olhos azuis, ou em notas cheias soul... E foi aí que eu deixei de ouvir e entrei num primeiro boteco, onde homens famintos recarregavam energias para suas baterias.
Pedi um café e um cigarro. Dei por mim sentindo calor e percebi que o sol saíra sem mais nem menos, e que por isso meu rosto estava afogueado, e minha respiração ofegante. Eu acabara de fugir daquele mausoléu camuflado em luxo de mau gosto.
Acabei o cigarro e continuei andando, voltando para casa, ainda tentando aproveitar alguma coisa daquele passeio fatídico, e eis que o vejo.
Outro dia o procurava na Cardeal, mas ele tão sempre em cena fica por vezes raro encontrá-lo em lugares raros. Então encontrá-lo ali, naquela avenida, depois de uma manhã improdutiva, foi quase um choque, para depois um brinde. E o encontro em linguagem pré- concepção da Obra, fazendo anotações nos subsolos da própria alma. E apesar de não ser o momento para ouvir o que ele terá para me dizer disso, eu o levei para casa.
Ganhei o dia por tê-lo encontrado, assim, tão inusitadamente, e não ter pensado duas vezes em tirá-lo de lá e trazê-lo comigo.

(E ainda passei um trote para o cretino que pensa que me troteia).

A crônica é dedicada ao meu querido Fiódor, a quem há tempos devo uma “errata”. Um dia desses escrevo.

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