quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Enquanto entoa “Blow Wind Blow”, eu reconto meu passeio pela Faria Lima.

Fez um dia frio hoje, e eu voltei para cama duas vezes antes de ter a certeza que algumas coisas realmente não poderiam ser mais adiadas.
Vesti-me em tons fortes e neutros, apesar do grito empolgante de liberdade que a Aretha dava invadindo todos os cômodos da casa.
Como se isso fosse o suficiente para se viver. Mas é. Ao menos para mim. Eu – alguns dias - preciso de alguém me acordando assim.
Estou sob o signo de Lilith, mas não no seu dark side, e sim, na efusão e fruição de todos os instintos somados e sintonizados aos sentidos.
(De vamp virei pantera, e essa história é quase um “Já era...” porque para essa história nunca terá um “Era uma vez...”)

Por isso a sonolência, e mais um dia em cinza e chumbo não animava muito sair de casa para encarar um ambiente enfadonho após sair de outro público e mal administrado.

Enfim, a manhã já se fazia engolida, quando enfiei os pés dentro do meu sapatinho de “Maria Bonita”, vesti um jeans perfeitamente ajustado ao meu corpo, sem tirar, nem por, mais nada.
Enterrei os fones nos ouvidos, deixei para tomar um expresso na rua, e pelas ondas do rádio fui sabendo do mundo entre um quarteirão e cinco músicas.
A minha permanência naquela sala de espera barulhenta e mal sinalizada, foi de quarenta e cinco minutos, isso porque minhas mãos não pararam de tecer um novo acessório, enquanto meus olhos captadores de mundos difusos, entre um ponto e uma corrente, contavam pontos e presentes, e iam tecendo outros panos de fundo para histórias de outras gentes. No entanto, são versões para depois.
O que quero contar é como em plena Faria Lima, eu, após ter entrado e saído do – dizem - primeiro “monumento ao consumo” construído no Brasil – imaginem a boçalidade que impera no ar dali, com o quilate de um quatrocentão – que quase me sufocou de tanta frieza e falta de imaginação, é tudo apenas ostensivamente luxuoso. É de dar náuseas, porque penso que é possível ser luxuoso sem que seja friamente ostensivo. Eu já vi lugares assim.
Sei que após sair daquele mundo sufocante como se cada grama de concreto dali, cada centímetro quadrado daquele lugar, pesasse uma tonelada de poder mal utilizado.
Sai de lá como quem consegue se libertar de uma gaiola dourada e toma ar a plenos pulmões, exalando poluição, fumaça, carcaças e sobras excluídas, ternos, saltos-agulha, papelões, marquises, trapos, flores, texturas, odores... eu estava tão louca para sentir tudo de novo, como se eu tivesse estado prestes a perder tudo aquilo, que nem me dei conta de quem cantava, mas acho que era uma versão em inglês de um dos hinos da Bossa Nova e que eu odiei aquele jabá escroto, porque eu odeio quem faz isso, porque quem tinha cacife para fazer já fez com seus brilhantes olhos azuis, ou em notas cheias soul... E foi aí que eu deixei de ouvir e entrei num primeiro boteco, onde homens famintos recarregavam energias para suas baterias.
Pedi um café e um cigarro. Dei por mim sentindo calor e percebi que o sol saíra sem mais nem menos, e que por isso meu rosto estava afogueado, e minha respiração ofegante. Eu acabara de fugir daquele mausoléu camuflado em luxo de mau gosto.
Acabei o cigarro e continuei andando, voltando para casa, ainda tentando aproveitar alguma coisa daquele passeio fatídico, e eis que o vejo.
Outro dia o procurava na Cardeal, mas ele tão sempre em cena fica por vezes raro encontrá-lo em lugares raros. Então encontrá-lo ali, naquela avenida, depois de uma manhã improdutiva, foi quase um choque, para depois um brinde. E o encontro em linguagem pré- concepção da Obra, fazendo anotações nos subsolos da própria alma. E apesar de não ser o momento para ouvir o que ele terá para me dizer disso, eu o levei para casa.
Ganhei o dia por tê-lo encontrado, assim, tão inusitadamente, e não ter pensado duas vezes em tirá-lo de lá e trazê-lo comigo.

(E ainda passei um trote para o cretino que pensa que me troteia).

A crônica é dedicada ao meu querido Fiódor, a quem há tempos devo uma “errata”. Um dia desses escrevo.

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