domingo, 23 de novembro de 2008

Nao fui ver Chaka-Kan.
tampouco deitei ao lado de Katherine.
Nao me resignei ao tedio dominical, isso me afundaria.
Sem ter escutado uma musica sequer durante o dia todo,
nao me via em ritmo suficiente para dancar.
choveu e tudo em mim esfriou, ate as vontades.
Ja eram dezessete horas quando comi o raviole bixiguento ao molho D'Or - tomate seco, azeite, alho, molho de tomate com ervas finas, pesto e majericao de folhas enormes, picadinho. Li um pouco sobre a Paris do centenario Levi-Strauss. Mas nao estava no clima para leituras, e o Leao invadiu a cozinha, com o seu costumeiro nao a mudanca de habitos, alguns nada saudaveis, mas por que eu me importo tanto com isso?
E a liberdade do outro de nao querer mudar seus habitos bons ou ruins?
Pedi ao Ray que me espantasse aquele Leao, ou me fizesse pensar nele como mais um ser individual e conflitante. A cozinha se encheu de musicalidade e eu limpei o que sobrou do molho com um pedaco de baguete com parmesao crocante, dizendo a mim mesma, "Voce nao pode e nao deve ficar em casa, principalmente depois de recusar um convite de falso apelo com a desculpa categorica de que havia marcado com um amigo para ver um show. E se ficar afundada na cama na companhia agradavel, mas nao oportuna nesse momento de frustracao e vazio na alma, da Katherine, a noite se aproximando fria... Voce precisa sair a rua e se aquecer no contato com outras energias... vampiraza-las sem que elas se deem conta, e voltar quando apenas o nariz sinta uma agradavel gelidez continua no seu arredondado cimo (cimo alias e uma palavra que eu acabei de inventar, um masculino para 'cima'= cume, topo), arfar de tanto andar, aquecendo-se noutras vidas anonimas... O resto do corpo, da cabeca aos pes, seguidores da vontade do espirito em brasa, sentir calor... A alma aquecida e o melhor antiansiolitico que voce podera obter hoje..."
Entao mudei o figurino.
Fiquei elegantemente aquecida, usando uma pequena bolsa preta que cabe uma quantidade necessaria de acessorios e mais alguns superfulos objetos que dao a ficticia sensacao de seguranca, e sai.
Tomei o onibus da manha anterior, desci no ponto ensinado, mas ao inves de seguir pelo mesmo caminho, fui por outro lado, uma ladeira e uma garrafinha de agua sem gelo em uma das maos.
Poucas vidas e um barzinho barulhento e babaca, mas nesta ladeira eu podia seguir o contorno do predio do MASP que eu ja conhecia de outros registros, segui-o ladeira acima e desemboquei na Avenida Paulista, Linda!
Eu sorri para mim mesmo dizendo "Claro que voce tinha que sair de casa", e suspirando fundo e soltando quase sonorizando um sim em volume de viva!, deliciei-me com a quantidade variada de vidas belas em volta, e disse, "E domingo. Ela e Linda!"
E sai vampirando bocas abertas e fechadas, fachadas estilosas, botas e calcanhares, curturnos e salto-agulhas.
Parei numa banca e perguntei o sentido da Augusta, escutei mais ou menos a informacao, aproveitando apenas o que de fato me interessaria, filtrei, agradeci, me aqueci mais um pouco, e segui, passando em frente do predio do MASP e prometendo, "Voce, noutro dia".
Caminho a frente menos carros mais gentes, belas, no meu contexto de beleza, quase todas elas. Aqueco-me, eu mereco estar aqui.
Nao precisei contar passos, a Augusta se apresentou de subito, eram outras caras, dessas mais descoladas, muitas vestiam apenas preto, eu estava de preto em gola alta e bracos cobertos, a Paulista havia mudado completamente de aspecto, era como estar num outro espaco na mesma avenida, maravilha, mudar de mundo no mesmo lugar.
Antes de descer a Augusta a 20 passos por minuto - de acordo com uma equacao criada por mim mesmo para meu uso pessoal, obrigada. Ao menos no meu dicionario ela nao consta com tal genero - de quina, um casal de adolescentes vestidos de preto seguravam uma plaquinha onde lia-se, "Abracos gratis" - ou algo do tipo, assim - o garoto acabara de ganhar um abraco e ria gabando-se do placar, ela sorria acanhada, eu fui la e abracei-a subtamente, ela correspondeu, sorrindo entre assustada e alegre, enquanto o menino passava de sorriso vitorioso para um sorrisinho amarelo. Depois de vampiraza-la agradavelmente naquele abraco que fez-se quente para ambas, eu a soltei, sorri para ambos, e desci a Augusta a vinte passos por segundo para perceber melhor aquele novo velho mundo. Muita lindinha a Augusta. Um coliro para os meus olhos vermelhos, opacos e vagos, mas nao sem vida.
eu sabia que em determinado ponto eu teria que entrar em alguma rua para poder chegar aquela galeria indicada, onde se danca gratis, mas termina cedo. Eu nao tinha pressa, eu tinha fome e ainda sentia frio alem do cimo do meu arredondado nariz.
Sentia frio nas maos, mesmo depois de um abraco quase caloroso, nao fosse a intranquilidade que um estrangeiro a nos, causa-nos mesmo quando ha espontaneadade de ambos os lados, ou de um lado mais que outro, afinal de contas ninguem questiona o beneficio de um abraco saudavel e gostoso, aconteca como acontecer.

Quando dei por olhar mais atentamente para os acontecimentos a Augusta acabara e eu estava na esquina do bulevar simpatico que havia cruzado na manha anterior em companhia do Leao e uma das suas crias. A noite tudo soa ainda mais magicamente belo, eu ja estava quase satisfeita comigo mesmo as luzes amarelas acobreando determinados angulos, outros atingidos em dourado, postes sustentando um romantismo quase barroco... Olhei para os lados buscando outros registros indicativos e encontrei o prostibulo em arquitetura medieval tupiniquim onde bonecos vestidos de homens escalam suas paredes, proximos a janelas, o que define se aventuram-se para entrar ou para sair, vestidos como se fossem escravos feudais, camponeses com caras de estivadores.
Essas coisas me dizem cada coisa...
Segui andando em frente, sem rumo certo, seguindo a avenida que se abria a minha frente sem me preocupar em olhar as placas indicativas, eu sabia aonde queria chegar, so nao havia pressa nisso, e eu precisava me energizar o suficiente, e so caminhando bastante eu conseguiria isso, entao fiz questao de nao encurtar caminho seguindo orientacoes, eu as abandonava na esquina seguinte, e por falta de mar para mim orientar, me orientava pelas refencias que eu havia guardado fotograficamente na memoria, e sabia os nomes da cada uma delas, eu tinha uma variedade boa de bons pontos referenciais, famosos, conehcidos, queridos... um mapa mentalizado, bastava mencionar-lhes os nomes, nao das ruas, mas desses pontos oportunos.
Ate que cheguei ao Municipal, de onde eu vinha? cruzei a Ipiranga num dado ponto de algum lugar que nao era a Sao joao, sorri porque sei que nao chegou o momento de saber o que acontecera com o meu coracao quando tal cruzamento entre mim, e esses dois nomes se der. Mas nao seria naquele instante, eu surpreendida mais uma vez so consegui dizer, "Eu ja estou na Ipiranga?" e o ser vampirazado atraves da bela voz respondeu solicito em sorriso, "Eu nao sei de onde voce vem, mas voce andou ela todinha, ela acaba aqui". Eu disse apenas, "E mesmo?" E suguei mais um pouco de informacao, e segui ainda mais aquecida. Dobrei a gola que protegia o pescoco, e andei livre e sem intensao tensionando meus musculos, eu estava livre, ali, naquelas ruas noturnas, me soltei ainda mais e fui apenas me deixando levar, entrando e saindo em ruas e ruas, sem parar ninguem para perguntar. Andando, observando e me aquecendo, passei por uma praca onde a Republica ate hoje deixa seus dejetos sociais. Mais calor ali, mas um calor feito de fogo-fatuo, porque sao apenas sobrevidas, e tal qual a minha Medusa, eu prefiro observar de longe porque e bom evitar certas historias. Porem nao recuei. Nao se recua assim, e muita bandeira para a malicia. Eu disse a mim mesma, "Eu sou do mesmo tamanho de qualquer um habitante desta Terra, mesmo dos que possuem frocas numerarias ou belicas, tanto faz. Sao tao humanos quanto eu, por conseguinte, com suas proprias e individuais vulnerabilidades, o bom e saber usa-las a seu favor ou em favor do outro, alguns nao sabem... Enfim conclui meu trajeto e na outra calcada respirei com mais paz e mais frio sob o Cha, pedi por Consolacao, me mostraram o percurso, eu fui andando ate desistir quando vi uma dessas referencias piscando luzinhas, segui as luzinhas como se estivesse a caminho da estrada que me levaria a OZ, e cheguei em frente ao Municipal, sentei na escadaria, acendi um cigarro, cruzei charmosamente as pernas, e traguei a vida noturna em baforadas de contrastes. Eu estava ja bem perto do meu destino, mas nao havia pressa, e eu precisava desacelerar o meu sistema de calefacao interna que me aquece externamente, a alma nao estava apenas aquecida, estava em brasas vermelhas, o que faz acordar a persona que nao ouso deixar vir a tona de mim. Entao pesno na solidao depressiva da Virginia, em como tudo acabou e onde me vejo exatamente nela, na Virginia. Estou quase ela, visto tons escuros, mas com alguma luz, sutil, para garantir retornos de novas chances para si mesmo.
Observo de longe as pessoas que passam em lados opostos, canalizo mias vias, por todas as sete entradas da minha cabeca e mais aquele oitavo sentido que nunca exploramos devidamente, nestas horas elas podem se tornar mais acessiveis... Tres homens-monstros aproximam-se de uma tampa de galeria do outro lado da rua. Abrem-na. Falam alguma coisa e um deles enfia o braco pro fundo e retira de la um saco de lixo, preto, grande, e utilizado apenas em um terco da sua capacidade em litros, "O que sera?"
O que sera a causa motriz da curiosidade humana?
Neste mesmo instante, dois outros homens-quase-mosntros aproximaram-se de mim e um deles, gesticulando com o cigarro apagado na boca, me pedindo fogo. Eu quase me assustei, e decidi nao abrir a bolsa para oferecer o isqueiro, e desculpei-me dizendo que nao havia entendido direito, e estendi o cigarro para que ele acendesse o dele, e continuei a olhar para os outros tres do outro lado, os dois olharam tambem e um deles quis saber o que eu olhava tao interessante, eu disse apontando, "Aqueles tres, la..."
eles olharam para os homens=monstros, mas nao perceberam o meu interesse, despediram-se com olhos cobicosos sobre mim, e foram... No entanto, um descendente de oriental, que passava por ali, ouvindo o que eu falei, parou e ficou tambem observando os tres homens-monstros que seguiam para algum lugar que se faz detalhe desconhecido, e eu, observava a curiosidade que levou o homem-oriental a parar para perceber o meu interesse, que, para todos os efeitos, era so meu. O homem-oriental voltou-se para mim e eu sorria da banalidade dele, parece que ele percebeu, pois seus olhos faiscaram-me pequena ira irritada e contida, mas eu sustentei o riso ironico. Nao havia nada demais naqueles tres homens-monstros e um saco de lixo preto com capacidade para cem litros guardado dentro de uma galeria de esgoto. Era apenas uma cena urbana.
Dei uma ultima tragada, levantei-me, olhei em torno e busquei meus registros, segui enfim para o meu destino, ainda sem pressa nos passos que agora atingiam a media de dez passos por minuto, re-la-xe baby, quase devagar...
Cheguei la e OZ ja tinha apagado as luzes pois era domingo e nao Sabado, onde a Aleluia e concedida por menos tempo. Porem foi um rapaz simpatico que me informou isso, e eu agradeci e disse, "Bem, valeu o role", ele tambem sorriu, e eu mais aquecida desci as escadas e pedi uma saida. Os homens-uniformizades implicaram com a distancia, e eu repliquei dizendo o quanto gosto de andar.
Sete de abril... Nao. Luzes apagadas, almas-montros nas calcadas... Melhor evitar outras historias... Hoje nao... Voltei da entrada e busquei outro caminho seguindo imagens... caminhei, caminhei, me aqueci perdida entre ruas e pessoas-gente, quente, agradavelmente quente, apenas o cimo do nariz, em frio feliz.
Desvendando ruas nuas, predios novos, tanta arte por quase toda parte, em concreto e movimentos... Pedi caminho para a Se, mas entrei noutra rua em busca do tunel, a hora avancava mesmo que eu quisesse esquecer da sua existencia natimorta.
Entrei numa lojinha de convenientes venenos, abri o freezer e na falta de uma Bhoemia, minha sede e meu estomago em comum acordo optaram por uma latinha de Xingu.
Cheguei ao meu ponto de retorno, ja com saudades e bem mais aquecida e alimentada, acendi mais um cigarro, no terceiro trago o meu transporte com direito a motorista, trocador e demais acompanhantes chegou, cigarro apagado as pressas, a um sinal meu ele parou e suas portas se abriram, eu entrei, sentei, e pensei em como te contar tudo isso.
Sim, aquecida me sinto melhor. Estou bem e sem fadiga alguma.

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