terça-feira, 28 de abril de 2009

I - Antes de querer a morte

Luciano adentra o espaço e a olha. Um olhar cheio de medo e perturbações.
“O quê ele vê?” Pergunta-se Glória.
Ele vê uma rocha.
Uma rocha na sua intransponível felicidade estática de ser uma rocha. Ele vê essa rocha e teme nunca saber o que é ela. Do quê ela é feita. Então ele desvia o olhar. Seguindo incólume a presença daquela rocha.
Às vezes ela desvia antes. São segundos minuciosamente atentos e eternos como podem ser eternos alguns preciosos e belos segundos na vida quando se deflagra no olhar de uma pessoa alguma mensagem.
Ela desvia o seu olhar para a vida ali fora. Para a habitual posição das coisas rotineiras, e então ela se doa numa morte por dentro, para dentro daquilo que ele está vendo.
Porque Glória pensa saber o que Luciano está vendo nos olhos dela. E o que ela pensa que ele vê, é o que ela mais teme mostrar. Pensa que ele vê o que perturba os seus dias. Pensa que ele pode ver que no fundo ela é uma rocha derretida como metal nocivo. Como se por dentro ela fosse o magma da rocha que está por fora dela, protegendo-a tal qual uma carapaça calcária. Por dentro todos os seus sentimentos estão em quentes convulsões. Derretem-se por dentro. Como se por dentro ela fosse apenas uma poça de mercúrio, com todos os malefícios e os benefícios que ela possui, tudo uma coisa só. Homogênea e quente, em eterna ebulição, em eterna ambigüidade, em eterno conflito...
As coisas estavam assim.
Ela fingia que não sabia que ele fingia não ver o que via nela.
Às vezes Glória irritava-se com isso e nessas horas ela é toda uma rocha. Por dentro e por fora uma rocha magmática, um pequeno vulcão cuspindo pedregulhos entre gestos e palavras.
Pedregulhos pequenos, mas que ela sabia que machucavam, que irritavam, e em alguns momentos era hediondos e odiosos. E aí Glória via – com um olhar maliciosamente vitorioso – a constatação nos olhos de Luciano que diziam: “Eu não sei mais quem você é.”
Noutros dias Glória percebia-se enfraquecida, vencida e demente, e deixava que os seus olhos mostrassem a Luciano o quanto de tudo aquilo era muito frágil e mentiroso. Ela deixava-se ser mostrada em derretimento através dos olhos, para que ele visse e sentisse o que ela estava sentindo verdadeiramente, e então, ela era agraciada com um olhar de profunda compreensão e respeito.
Nessas horas Glória quase poderia acreditar que poderiam ser felizes se realmente se amassem.
Mas os desencontros e as desavenças tornavam-se mais dominantes a cada dia, exilando o diálogo num canto qualquer de um passado abortado. Nem sequer tivera ânimo de construir uma história que pudesse chamar de passado.
Não teriam filhos... Nem amigos em comum... Não tinham nada, a não ser a conveniência do casamento. Uma conveniência utilizada por ambos.

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